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TRIGÊMEOS SEPARADOS AO NASCER: EXPERIMENTO SECRETO

  • Foto do escritor: Davi Marreiro
    Davi Marreiro
  • 7 de jul.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 8 de jul.

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Literalmente, após assistir ao documentário, a sensação foi como estar com três nós na garganta. A narrativa dos trigêmeos Robert, Edward e David, separados ao nascer e reunidos por acaso, não apenas surpreende, ela inquieta. O mais perturbador é descobrir que essa separação não foi obra do acaso, mas parte de um experimento científico sigiloso, feito à revelia das famílias. É nesse ponto que a história real se transforma em um dilema ético e existencial que nos obriga a perguntar: o que define nosso desenvolvimento humano, a biologia ou a psicologia? O que determina a construção da nossa identidade, a genética ou o ambiente? O que orienta nossa trajetória individual, fatores inatos ou experiências de vida? E, no fim das contas, o que influencia mais nosso comportamento e personalidade: a herança biológica ou as vivências subjetivas?

Essas perguntas, embora legítimas, nos conduzem a armadilhas conceituais se forem tratadas como oposições rígidas. Para além da emoção que o documentário provoca, é preciso refletir criticamente sobre as premissas que essas questões carregam. A seguir, propomos uma análise resumida dessas interrogações a partir de quatro perspectivas: biológica, psicológica, filosófica e sociológica.

🔬 CIÊNCIA (biologia, psicologia, neurociência)

Erro central: tratar como dicotomia o que é, na verdade, interdependente.

  1. Desenvolvimento humano: biologia ou psicologia?

❌ O problema está em supor que são forças opostas.

✅ A ciência atual entende o desenvolvimento humano como multifatorial, resultado da interação entre elementos biológicos (genes, cérebro, hormônios) e psicológicos (cognição, emoções, traumas). A psicologia, inclusive, integra o campo das ciências do desenvolvimento.

  1. Identidade: genética ou ambiente?

❌ A questão cria um falso dilema.

✅ Estudos mostram que a identidade é moldada por uma dinâmica entre predisposições genéticas e estímulos ambientais, sociais e culturais. A epigenética revela que o ambiente pode inclusive modificar a expressão dos genes.

  1. Trajetória individual: inato ou experiência?

❌ Supõe que somos passivos a uma dessas forças.

✅ O neurodesenvolvimento indica que o inato estabelece potencialidades, como a capacidade de aprender linguagem, mas é a experiência que ativa ou inibe essas possibilidades. A plasticidade cerebral depende da interação constante com o meio.

  1. Comportamento e personalidade: herança ou vivência?

❌ Reduz a personalidade a uma única causa.

✅ A psicologia contemporânea compreende a personalidade como fruto da interação entre traços herdados (como o temperamento) e vivências subjetivas (relações familiares, traumas, cultura). Estudos com gêmeos idênticos revelam que ambos os fatores atuam em proporções variáveis.

📚 FILOSOFIA

Erro central: simplificar a complexidade do sujeito.

  1. Redução do ser humano a fatores mensuráveis.

A filosofia, especialmente a fenomenologia e o existencialismo, compreende o ser humano como um projeto em constante construção, dotado de liberdade, intencionalidade e subjetividade. O dualismo “biologia vs. psicologia” ignora a capacidade humana de se interpretar e se transformar com base em escolhas, angústias e simbolismos.

  1. Negligência do papel da linguagem, da cultura e da história.

Filósofos como Foucault e Heidegger questionam a ideia de um “eu” biológico fixo. A identidade se forma em meio a discursos culturais, práticas sociais e estruturas de poder.

  1. Esquecimento da autonomia ética e existencial.

Se tudo é determinado por fatores inatos ou condicionamentos, onde está a responsabilidade moral e a liberdade? A filosofia alerta para o risco dos reducionismos que esvaziam a ética do sujeito.

🧑‍🤝‍🧑 SOCIOLOGIA

Erro central: ignorar o papel das estruturas sociais e culturais.

1.      Desconsiderar o fator social como constitutivo da identidade.

A identidade não é apenas interna ou individual. Ela é formada na relação com o outro e atravessada por marcadores como classe, gênero, raça, religião, mídia e escola.

2.      Tratar a personalidade como isolada da sociedade.

O comportamento é moldado por normas, papéis sociais e contextos históricos. A personalidade se expressa em situações socialmente construídas.

3.      Ignorar a desigualdade social como força estruturante.

Falar de “trajetória individual” sem considerar as condições materiais, o acesso a direitos, as formas de exclusão e o capital cultural disponível é uma ilusão sociológica.

📌 Conclusão

As perguntas que surgem diante da história desses trigêmeos não são erradas. São instigantes e necessárias, mas precisam ser formuladas com mais sofisticação. O erro está em tratá-las como se fossem alternativas excludentes, quando na verdade apontam para dimensões integradas e complementares da experiência humana. A ciência contemporânea, cada vez mais, rejeita os dualismos simplistas e propõe modelos interdisciplinares, que reconhecem a complexa rede de interações entre corpo, mente, cultura, sociedade e história.

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