ADULTIZAÇÃO INFANTIL: LUCROS E EXPLORAÇÃO
- Davi Marreiro

- 10 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de ago.
CRIANÇAS COMO MENSAGENS VIVAS
Parafraseando Neil Postman, as crianças são mensagens vivas que enviamos a um futuro cujos leitores desconhecemos. Por oportunismo, ganância ou pela voracidade de um sistema predatório, estamos destruindo essas mensagens antes mesmo que possam ser compreendidas. Nos casos mais extremos, quando a exploração ultrapassa os limites da erotização dissimulada, as consequências tornam-se ainda mais devastadoras: segundo relatório das Nações Unidas, divulgado em 2024, cerca de 300 milhões de crianças foram vítimas de exploração sexual e abuso infantil online em apenas um ano.
Apesar de ganhar repercussão nas redes sociais, a adultização infantil é, antes de tudo, resultado direto do lado mais perverso do “marketing de massa”. É uma engrenagem que, sem qualquer escrúpulo, arranca a infância de forma brutal para expandir o consumo a faixas etárias cada vez mais jovens. Essa lógica promove a exposição precoce das crianças, transformando-as em consumidoras antes do tempo e moldando seus comportamentos conforme interesses comerciais. Tudo acontece às claras, diante de todos, enquanto se desmontam estruturas de proteção e princípios éticos, desde que os lucros continuem crescendo, sem qualquer pudor quanto às consequências.
INFÂNCIA SILENCIADA
É um crime que grita por justiça, mesmo quando as vítimas permanecem inconscientes. O fato disso não ter ganhado destaque nas manchetes anteriormente não significa que faltaram denúncias; elas sempre existiram, porém foram ignoradas com conveniente indiferença. O fundamental agora é que a prioridade esteja na adoção de medidas repressivas e preventivas voltadas diretamente à tipificação e à prática criminosa, pois observa-se frequentemente a tendência a prender-se a aspectos secundários, desviando a atenção do cerne da questão. Reduzir essa violência social a uma mera “fragilidade estrutural” é insuficiente e simplista. A adultização precoce revela-se robusta, sustentada por fluxos financeiros expressivos e consolidada estruturalmente em diversas esferas sociais.
EXPLORAÇÃO: LUCRO ACIMA DA VIDA
É mais que um crime: é a mutilação da própria infância, fruto direto da lógica da lucratividade que transforma a exploração infantil em uma consequência de “comportamentos nocivos do submundo dos negócios”, diria Robert Rice. A infância, por essência, é território de vulnerabilidade; o amadurecimento, por sua vez, exige tempo, condições fisiológicas, autonomia reflexiva e capacidade de decisão. Mas esses pilares são arrancados sem cerimônia por um condicionamento ilícito que empurra crianças à erotização, o que importa é o lucro, independentemente do grau de exposição ou o meio utilizado. Qual é o conjunto de fatores e dinâmicas estruturais que circundam a produção e disseminação de conteúdo de sexualização velada de crianças? No Brasil, o número de imagens de abuso e exploração sexual infantil na internet cresceu 70% no primeiro quadrimestre de 2023, acompanhando a tendência global revelada pela IWF, que registrou um aumento de 65% em “conteúdos” envolvendo vítimas entre 7 e 10 anos em 2022. No entanto, quando a expressão “adultização infantil” viralizou recentemente, o que constatamos nas 20 primeiras páginas recomendadas pelo Google, no dia 10 de agosto, revelam apenas uma lógica de produção de notícias guiada por algoritmos que privilegia personalidades e polêmicas, enquanto isso, a transformação da infância em mercadoria corre o risco de ser novamente marginalizada em debates superficiais que não enfrentam a raiz.
ENTRE HOLOFOTES E LUCROS: ALGORITMOS
Essa abordagem não ocorre por acaso. É mais simples narrar a história de um denunciante contra um acusado do que encontrar e divulgar levantamentos e pesquisas que evidenciam a elevada lucratividade gerada pela exploração virtual da infância, demonstrando como a indústria do entretenimento amplia seus ganhos financeiros ao promover a diluição das fronteiras entre infância e vida adulta. Fora dos holofotes, as causas profundas seguem produzindo vítimas em diversos contextos sociais, como a normalização da sexualização precoce; a monetização de conteúdos com crianças em plataformas que operam sem qualquer regulamentação séria; a ausência crônica de políticas públicas robustas para educação midiática e proteção online; e, para completar, o cinismo tecnológico, algoritmos “superinteligentes” capazes de recomendar o próximo vídeo com precisão cirúrgica, mas incapazes de filtrar perfis, barrar compartilhamentos e impedir a ação de criminosos óbvios.
INSTITUIÇÕES EM XEQUE
Existem instituições sociais suficientemente fortes e empenhadas em resistir à destruição da infância? Como alerta o educador e crítico cultural Neil Postman em O Desaparecimento da Infância, a resposta, se honesta, talvez revele que a fragilidade não está apenas na ausência de força, mas na cumplicidade silenciosa de algumas estruturas que se dizem protetoras, porém se comportam como agentes de degradação. Resistir, nesse cenário, exigiria mais do que políticas públicas ou campanhas: exigiria desobedecer ao mercado e contrariar interesses, algo que poucas instituições estão dispostas a fazer. Contudo, ainda bem que esses esperançosos têm plena consciência de que lobos não protegem, assim como tigres não perdem os dentes por boa vontade. Mesmo assim, permanecem firmes. Essa determinação é essencial para evitar que a infância seja novamente enterrada sob um mar de discursos vazios e interesses oportunistas.




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