top of page

NEW PET SCHO0L: POR QUE AVALIAMOS TANTO E TRANSFORMAMOS TÃO POUCO?

  • Foto do escritor: Davi Marreiro
    Davi Marreiro
  • há 4 dias
  • 4 min de leitura

Pet Rocks: quando a escola mede, mas não move

Na década de 1970, uma ideia improvável ganhou o mercado americano: as Pet Rocks, pedras comuns vendidas como animais de estimação. Embaladas em caixas com orifícios de ventilação e acompanhadas de um manual de cuidados, elas não exigiam alimentação, atenção ou esforço. O sucesso comercial foi instantâneo, mais de cinco milhões vendidas, não pela utilidade do “pet”, mas pela “inteligente” construção simbólica que transformou um objeto inerte em um produto de desejo.

Esse fenômeno encontra paralelos desconfortáveis na educação contemporânea. Em muitas redes de ensino, avaliações diagnósticas e conteúdos curriculares assumem papel semelhante ao das Pet Rocks: são embalados com seriedade, exibidos como instrumentos de excelência pedagógica, mas frequentemente não mobilizam mudanças significativas na trajetória de aprendizagem dos estudantes. Mede-se muito, mas move-se pouco.


Pet test: diagnóstico sem retorno

As avaliações diagnósticas ocupam lugar central no calendário escolar. Elas são aplicadas com rigor, seus resultados organizados em relatórios, planilhas, gráficos e painéis de desempenho. No entanto, com frequência, não se traduzem em ações concretas de regulação e intervenção.

Sem devolutiva efetiva ao estudante, sem replanejamento real de práticas e sem apoio institucional, o diagnóstico passa a ser documento de registro, não de transformação. Essa lacuna não resulta de inércia docente, mas de um modelo organizacional que valoriza a mensuração mais do que a mediação. Faltam tempo, equipes de apoio, espaços de formação continuada e um plano de ação articulado que integre os dados ao cotidiano pedagógico.


Stone content: o currículo que paralisa

De modo semelhante, os conteúdos escolares podem se tornar obstáculos quando tratados como estruturas rígidas e cumulativas. Diante de turmas que não consolidaram habilidades de etapas anteriores, o currículo vigente é muitas vezes encarado como um roteiro inegociável, criando o paradoxo: “não posso avançar porque eles não aprenderam o que vem antes”.

Essa paralisia não nasce de resistência ao ensino, mas da ausência de estratégias institucionais que deem conta da defasagem real. Nesse cenário, o conteúdo deixa de ser ponte e torna-se barreira, algo que se carrega com esforço, mas que não promove deslocamento. Assim como a Pet Rock, parada, empacotada, mas com aparência de “animal treinável”, o conteúdo vira uma peça simbólica de um currículo ideal, não de uma aprendizagem possível.


Pet Rocks educacionais: práticas que ocupam espaço, mas não impulsionam a escola

Além das avaliações e conteúdos que se imobilizam, outras estratégias educacionais ganham força simbólica e performática, mas atrapalham o planejamento pedagógico por não estarem articuladas com os objetivos reais da aprendizagem. A seguir, exemplos recorrentes desse fenômeno:


A. Planejamento anual sem espaços para recomposição

Planejamentos lineares, feitos com base em conteúdos acumulados, muitas vezes ignoram que o percurso dos alunos não é homogêneo. A ausência de períodos específicos para retomada de habilidades essenciais, antes de iniciar novos blocos de conteúdos, transforma o cronograma em um ritual burocrático, incapaz de dialogar com o que os estudantes de fato aprenderam.


B. Carga horária docente mal distribuída

Professores com cargas menores, alocados em dias intermitentes, acabam com aulas comprometidas por feriados, eventos e interrupções regulares. A fragmentação afeta a continuidade dos conteúdos, o vínculo com os estudantes e o sentido de pertencimento à equipe pedagógica. O planejamento se enfraquece onde há menos presença e escuta.


C. Liberação precoce dos alunos após avaliações

A prática de liberar estudantes logo após provas reflete uma concepção produtivista de ensino, onde a avaliação é ponto final e não ponto de partida. Isso impede atividades de reorientação, escuta, revisão ou ampliação, anulando a função formativa da avaliação e esvaziando o tempo pedagógico.


D. Calendário saturado de eventos não articulados ao currículo

Eventos escolares têm potência formativa, mas quando dissociados do diagnóstico de aprendizagem e do projeto político-pedagógico, tornam-se apenas marcos comemorativos. Isso gera sobrecarga na equipe, dispersão de esforços e esvaziamento de tempo didático, com pouco retorno educacional.


E. Estratégias simbólicas que simulam inovação sem alterar a prática

Diversas ações escolares se aproximam da lógica da Pet Rock — apresentam estética de inovação, mas não alteram as condições reais de ensino e aprendizagem:

  • Uso superficial de tecnologia

  • Indicadores de vaidade: foco em curtidas.

  • Eventos simplesmente performáticos.

  • Discurso descolado da prática.

  • Socioemocional de fachada.

  • Avaliações sem uso pedagógico.

  • Decoração descolada do conteúdo.

  • Formações genéricas.

 

Caminhos possíveis: regulação, corresponsabilidade e integração tecnológica

Romper com a lógica das Pet Rocks na educação exige ações estruturadas, sustentadas por uma visão sistêmica e colaborativa. A seguir, sugestões de estratégias metacurriculares que podem ajudar a transformar dados e conteúdos em movimento:

A. Reservar datas específicas para regulação e retomada da aprendizagem

  • Criar no calendário escolar momentos formais de reensino, com foco em habilidades essenciais diagnosticadas como frágeis.

  • Promover atividades interdisciplinares e oficinas de recuperação ativa, integrando o que foi avaliado ao que precisa ser aprofundado.

B. Envolver pais e alunos como corresponsáveis pelo percurso e pelos resultados da aprendizagem.

  • Envolver os estudantes em trilhas de aprendizagem autônomas, metas semanais, autoavaliação e monitoramento do próprio progresso.

  • Incentivar o uso do diagnóstico como espelho individual, e não apenas como número agregado.

C. Utilizar a tecnologia para revisar enquanto se avança

  • Incorporar plataformas de práticas adaptativas, exercícios personalizados, vídeos curtos e microatividades digitais que revisitam conteúdos sem ocupar o tempo da explicação expositiva.

  • Criar estratégias paralelas: enquanto se avança com o novo conteúdo, se reensina o antigo de forma híbrida e personalizada.

 

Conclusão

Em vez de empacotar pedras, é preciso fundamentar estruturas!

O que essas práticas revelam não é negligência, mas a ausência de uma lógica institucional que conecte intencionalidade, estrutura e ação pedagógica continuada. Avaliar não basta. Planejar por competências, sem espaços reais de recomposição, tampouco.

A escola precisa de tempos e estratégias que permitam revisar enquanto se avança, escutar o que os dados mostram, mobilizar o aluno como sujeito ativo da aprendizagem e apoiar o professor como parte de um sistema vivo, e não como único responsável por mover o que a estrutura ainda mantém parado.

Pedras podem ser apenas decorativas ou servir de fundamento sólido, cabe à escola decidir o que está construindo.

 

Bình luận


bottom of page