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Comece pelo porquê

  • Foto do escritor: Davi Marreiro
    Davi Marreiro
  • 4 de ago.
  • 2 min de leitura

1. A promessa do propósito

Comece pelo Porquê se apresenta como um farol para líderes e organizações em busca de sentido, mas ao longo da leitura revela-se mais como um arquiteto de cômodos escuros meticulosamente organizados. A luz que ali brilha não nasce da convicção, mas da conveniência. A proposta de alinhar propósito, produto, colaboradores e consumidores é, em tese, legítima e até ética. Contudo, perde força à medida que se evidencia o uso estratégico do “porquê” como ferramenta de persuasão, e não como expressão autêntica de valores.

2. Crítica conceitual: inconsistências internas

O livro recorre constantemente a dicotomias simplificadoras, como emoção versus razão, manipulação versus inspiração, “porquê” e “como” que, embora didáticas, empobrecem a complexidade dos processos decisórios humanos. Além disso, a defesa de que as decisões são tomadas apenas pelo sistema límbico ou pelo neocórtex revela uma visão reducionista do funcionamento cerebral, desconsiderando os avanços das neurociências contemporâneas, que apontam para a integração dinâmica entre emoção, razão, contexto social e histórico.

Soma-se a isso a baixa densidade epistemológica do texto, marcada por uma repetição excessiva de exemplos que reforçam uma mesma tese, sem aprofundamento teórico. Obviamente acredito que a proposta do livro não é exatamente essa, mas por esse motivo a lógica argumentativa se torna circular: os exemplos não fundamentam a teoria, mas são escolhidos para validá-la, o que caracteriza viés de confirmação.

3.  o propósito como produto

A obra apresenta o “porquê” como um bem de consumo. Em vez de um valor existencial ou ético, ele é tratado como um diferencial de mercado: moldável, vendável e funcional às demandas do mercado contemporâneo. Como sugeriria Zygmunt Bauman, corre-se o risco de o “porquê” tornar-se mais um item de prateleira, adaptável e descartável conforme as exigências do sistema. A narrativa se sustenta mais pela estética do discurso do que por uma preocupação genuína com as implicações sociais ou morais do propósito.

4. A idealização da Apple

Esse viés ideológico se evidencia na forma como a Apple é apresentada como o principal case da obra, quase como um arquétipo. Diferentemente da Walmart, citada pontualmente, a Apple é tratada de maneira acrítica. O autor omite contradições estruturais relevantes, como denúncias trabalhistas, impactos ambientais, problemas de privacidade digital e práticas monopolistas. A leitura da empresa é conduzida pela lente do marketing e da filosofia organizacional, sem considerar perspectivas éticas, regulatórias ou socioeconômicas. Com isso, a proposta perde densidade crítica e aproxima-se de um discurso promocional.

5. Conclusão: uma luz que não ilumina

Ao privilegiar uma retórica envolvente em detrimento da profundidade conceitual e da responsabilidade ética, Comece pelo Porquê corre o risco de transformar o propósito em ornamento retórico. Algo que decora a cultura organizacional, mas não a orienta. Tanto em termos conceituais quanto ideológicos, o livro apresenta fragilidades que comprometem sua utilidade como referência séria sobre liderança, comportamento e transformação organizacional.

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